SERRA DA BOA VIAGEM E O CABO MONDEGO - Ameaças à geodiversidade...

Ameaças à geodiversidade...

São várias as ameaças que a geodiversidade sofre hoje em dia, mas em primeiro lugar, devemos distinguir o que são ameaças e o que são processos geológicos naturais que podem alterar fenómenos geológicos de forma natural. Consideraremos ameaças apenas as de origem antrópica, em geral muito mais rápidas na sua capacidade destruidora do que os processos geológicos naturais. Como as ameaças à biodiversidade, estas podem afetar a geodiversidade em diferentes escalas e em graus distintos mas estão essencialmente provocadas pela necessidade do ser humano de explorar a geologia para garantir a sua qualidade de vida. As principais atividades humanas causadoras de ameaças são: a exploração de recursos geológicos; o desenvolvimento de obras e estruturas; a gestão das bacias hidrográficas; a florestação, desflorestação e agricultura; as atividades militares; as atividades recreativas e turísticas; a colheita de amostras geológicas para fins não científicos e a iliteracia cultural (Brilha. 2005).


1 - Exploração de recursos geológicos
A atividades de exploração dos recursos minerais conduzem, inevitavelmente, a uma destruição da parte importante da geodiversidade. A obtenção dos mais variados materiais geológicos para sua posterior utilização pelo homem, e consequentemente impacte na geodiversidade, constitui um preço a pagar pelo nível de desenvolvimento e conforto de que as sociedades industrializadas usufruem.
De acordo com Brilha (2005) as atividades de exploração de recursos minerais podem constituir uma ameaça à geodiversidade a dois níveis: 
Ao nível da paisagem: as explorações a céu aberto em particular, quando não são implementadas estratégias minimizadoras dos impactos que afetem de modo negativo, a paisagem natural da região onde estão implementadas.
Ao nivel do afloramento: a atividade extrativa pode consumir objetos geológicos, como fósseis ou minerais, de valor científico, pedagógico ou outros. Pode igualmente danificar ou destruir formações e estruturas rochosas que tenham, por alguma razão, um valor particular

A atividade extrativa das pedreiras origina largas extensões de áreas degradadas, que se materializam com a alteração do relevo, perda de solo, fauna e flora (fig.2).
Fig. 2 - Pedreira Norte nas Serra da Boa Viagem (http://caminhadasnapraiadequiaios.blogspot.pt)
2 - Desenvolvimento de obras e estruturas
Todas as grandes obras induzem impactos negativos sobre a geodiversidade. Desde a abertura de vias de comunicação, passando pela construção de barragens ou de edifícios de grande envergadura, são variados os tipos de intervenções que podem constituir ameaças à geodiversidade.
Nas sociedades industrializadas, a produção diária de resíduos atinge proporções assustadoras. As antigas explorações mineiras a céu aberto tem sido utilizadas sem preparação técnica para receber resíduos. Este procedimento pode inutilizar locais de grande interesse científico, pedagógico e turístico, sem resolver de modo sustentável, o problema do armazenamento de resíduos.

3 - Gestão das bacias hidrográficas
No sentido de regularizar de caudais de rios e de prevenção/minimização de cheias algumas bacias hidrográficas foram sujeitas a enormes intervenções (construção de barragens, diques e canais) alteram radicalmente os processos hidrológicos e hidrogeológicos (Brilha, 2005).

4 - Atividades militares
As atividades militares, quer de treino , quer reais provocam erosão dos solos e contaminação das águas águas superficiais e subterrâneas e consequentemente têm claros efeitos negativos no património geológico (Brilha, 2005). Felizmente, o território português tem sido poupado de ações bélicas significativas desde o século XIX.

5 - Florestação, desflorestação e agricultura
O crescimento da vegetação constitui um fator de ocultação de características geológicas de uma dada região, podendo levar à diminuição dos valores científicos e pedagógicos da geodiversidade.
A desflorestação, por outro lado, pode ter também efeitos permiciosos sobre a geodiversidade pois incrementa a erosão dos solos e a perda da camada superficial e fértil do solo que demorará a recuperar. Igual efeito verifica-se após a ocorrência de fogos florestais de grandes dimensões (fig. 3).
A agricultura intensiva/industrializada pode causar um impacte negativo sobre os solos, uma vez que a utilização de máquinas pesada leva à sua erosão e o uso intensivo de adubos e pesticidas pode contaminar as águas superficiais e subterrâneas.
Fig.3 - Serra da Boa Viagem (chavedespedro.blogspot.pt).
6 - Atividades lúdicas e turística
As atividades turísticas e recreativas (turismo ambiental e desporto na natureza) podem ter graves impactos no património geológico. Este tipo de atividades, como por exemplo, a realização de atividades com motorizadas de todo-terreno em dunas ou falésias (fi.4), a escalada em certas escarpas, a visitação de grutas e algares, ou mesmo o pisoteio se praticadas sem regras e sem contenção das cargas de visitação são um problema para a conservação.
Fig.4 - Passeios de moto quatro pela serra (http://www.capitaodureza.com).
7 - Colheita de amostras geológicas para fins não científicos
A possibilidade de recolher amostras é um aspeto determinante na análise da vulnerabilidade de um geossítio, uma vez que tal atividade pode potenciar a maior afluência de visitantes, com a consequente alienação e delapidação dos afloramentos. Em muitos casos a retirada de materiais geológicos valiosos é realizada para colecionismo sem fins científicos o que tem afetado de modo muito grave a conservação, essencialmente, de fósseis e minerais, pois como são recursos não renováveis a taxa de colheita é incomparavelmente superior à sua reconstituição.
Fíg. 5 - Fósseis à venda na internet.
8 - Iliteracia cultural
Por último, Brilha (2005), alude a um grande problema que é a ignorância, a falta de informação e o desconhecimento do valor da geodiversidade numa sociedade apelidada da informação, pois paradoxalmente não há consciência crítica para a postura de geoconservação por quase toda a sociedade. Assim é necessário divulgar conhecimentos de geodiversidade ao grande público. Porque só se dá valor ao que se conhece e só se protege aquilo a que se dá valor.



Ameaças a geodiversidade do Cabo Mondego...




O Cabo Mondego, localizado no bordo ocidental da Serra da Boa Viagem, aproximadamente a 6 km a Noroeste da Figueira da Foz, é conhecido internacionalmente pela importância estratigráfica dos seus floramentos. Com base na excecional qualidade do registo geológico, bem como na sua importância científica e no seu valor didático, os afloramentos do Cabo Mondego foram classificados como Monumento Natural em 2007, integrando a Rede Nacional de áreas Protegidas. No entanto, esta medida, por si só, não é suficiente para proteger, valorizar e divulgar o património geológico daquele Monumento Natural com 12 geossítios (Rocha et al., 2012).
Apesar da sua beleza e importância, o Cabo Mondego encontra-se um pouco marginalizado e numa situação de periferia face às atividades turísticas que se desenvolvem no contexto da área de influência da Figueira da Foz, enquanto região turística.

1 - Exploração de recursos geológicos
Na Serra da Boa Viagem – Figueira da Foz – está implantada uma indústria extractiva cuja atividade tem contribuído para a destruição de parte do seu sector ocidental – o Cabo Mondego. Os profundos impactes decorrentes da extracção do calcário são visíveis ao longo das vertentes adjacentes ao Monumento Natural do Cabo Mondego, contribuindo para a desvalorização desta Área Protegida e comprometendo o seu usufruto público (Rocha, 2008) (Romeiro, 2016).
A atividade mineira no Cabo Mondego teve início em 1773, com a extração de carvão mineral na Mina de Carvão de Pedra de Buarcos, reconhecida como uma das mais antigas explorações carboníferas em Portugal. No início do século XIX, é construído o primeiro forno de cal, iniciando a transformação do Couto Mineiro (complexo industrial onde se explorava o jazigo carbonífero) em Complexo Industrial do Cabo Mondego, com a instalação das indústrias de Cal, Cerâmica, Vidro, Electricidade e Cimento. A exploração de matéria-prima destinada ao fabrico de cal hidráulica desenvolveu-se numa área de aproximadamente 58 hectares (Calapez, et al. 2005)(Pinto, sd).
Fig. 7 - Minas do Cabo Mondego (Coleção J. Soares Pinto)
De toda a actividade extrativa realizada no Cabo Mondego resultaram impactes ambientais que são bem visíveis na paisagem (fig. 8, 9), com riscos de desabamento em grande parte da sua extensão. Todo este espaço, afecto à atividade mineira, deve ser objecto de um plano de recuperação e de reconversão, no sentido de minimizar tais impactes e riscos, nomeadamente através do estabelecimento de novas funções e dinâmicas às áreas de pedreira sem, no entanto, descuidar a valorização e preservação dos diversos valores (natural e histórico) ali reconhecidos (Pinto, sd) (Romeiro, 2015).
No Cabo Mondego, a indústria cimenteira até 2013 a funcionar no local, determinou impactos severos na paisagem, começando por consumir o seu carácter natural. A instalação desta indústria e o seu constante funcionamento, mesmo que exterior aos limites da área definida como monumento natural, conduziram a uma brusca alteração do equilíbrio natural dos ecossistemas, incluindo fauna e flora, pois a nível ambiental a sua presença é marcada por intensos ruídos e vibrações, emissão de gases e poeiras. Os solos e os recursos hídricos foram contaminados e, nos casos mais graves, perdidos. Produziram-se alterações microclimáticas e destruiu-se o património geológico e arqueológico, tornando-se irrecuperável. Ao nível dos ecossistemas marinhos, os impactos, tanto a nível florístico como faunístico e até na própria água, são incalculáveis (Pinto, sd)(Rocha, 2008).


2 - Desenvolvimento de obras e estruturas
A Pedreira Norte durante os anos de 1985 a 1998 foi utilizada, pelo município da Figueira da Foz, para a deposição de resíduos sólidos urbanos o que terá representado prejuízos ambientais ainda hoje por calcular (Pinto, s.d). Junto a alguns acessos ao Cabo Mondego podem encontrar-se volumes consideráveis de lixos depositados por transeuntes, especialmente da Estrada Nacional 109-8 que circunda a Serra da Boa Viagem (Romeiro, 2016).

3 - Florestação, desflorestação e agricultura

Em função da evolução da paisagem, muito por conta dos impactes das atividades extrativas e antrópicas, como por exemplo os incêndios, observam-se grandes alterações no coberto vegetal, tanto do Cabo Mondego como da Serra da Boa Viagem.

De acordo com Pinto (1997) citado por Romeiro (2016 ) no passado a perda de coberto vegetal ficou a dever-se aos incêndios, alguns originados pelas populações para se defenderem dos lobos e javalis ou para obter espaço para pastoreio, mas também a cortes efetuados pela população e pela indústria aí instalada. Entre 1913 e 1925 ocorreu uma reflorestação, onde foram introduzidas espécies exóticas, como acácias e eucaliptos.

4 - Atividades lúdicas e turística
Outro impacto importante é função da prática de pesca desportiva nas escarpas do Cabo Mondego. Há alguns pescadores mais corajosos que arriscam pescar nos rochedos da base do Cabo Mondego, acabam por alterar, mesmo que em pequena escala, a paisagem costeira ao criar acessos pedestres, destruindo a vegetação. O acesso é complicado e faz-se, tanto quanto se sabe, pela praia de Quiaios durante a maré baixa, que torna possível chegar aos rochedos que durante o resto do tempo estão submersos. Atualmente o controlo de acessos diurno é feito apenas pela antiga entrada principal da Fábrica da Cimpor, com registo de entradas, no entanto é possível aceder a qualquer altura pela entrada Norte da Praia de Quiaios.
Também pela Serra da Boa Viagem há frequentes ataques à geodiversidade com a prática de desportos motorizados – provas de enduro, rallys, provas de motocross, passeios de moto-quatro e de todo terreno (fig.11).
Fig. 11 - Desportos motorizados na Serra da Boa Viagem (Fotos deRally de Portugal e do IUCNF)

5 - Colheita de amostras geológicas para fins não científicos
No Jurássico do Cabo Mondego, as excecionais condições de observação e a invulgar continuidade no registo sedimentar aliam-se a um importante espólio de associações de fósseis particularmente significativo nos domínios da paleontologia de amonites e da paleoicnologia de dinossauros (fig.12) (Rocha, et al., 2008). Muitos visitantes tendem a recolher fósseis pela sua beleza variedade para colecionismo.
Fig.12 -  Fósseis do Cabo Mondego.

Concluindo, em muitos casos as ações antrópicas que afetam a biodiversidade e a geodiversidade são as mesmas, daí a importância de estratégias de conservação integradas e baseadas nos dois recursos e não apenas num deles. Provavelmente, a única diferença será que, no caso da geodiversidade, devido à menor divulgação deste conceito, existe uma maior iliteracia por parte da população o que se traduz numa menor preocupação com a sua conservação. Assim a a educação, a divulgação do património geológico e o seu valor torna-se uma ação de conservação essencial.


EDUCAÇÃO, EDUCAÇÃO e EDUCAÇÃO é  a solução!!

Bibliografia

Brilha, J. (2005). Património geológico e geoconservação: a conservação da natureza na sua vertente geológica. Palimage Editores, Viseu.

Callapez, P., Pinto, M., Brandão, J., Santos, V., Azenha, M. e Pinto, R. (2015). A mina de carvão do Cabo Mondego e a Paleontologia portuguesa. Em: Memórias do Carvão, pp. 27-50. Acedido em 1 de dezembro de 2017, em:

Gray, M. (2004). Geodiversity: Valuing and Conserving Abiotic Nature. John Wiley and Sons, Chichester, England.

Pinto, J.; Saraiva, A. (s/d). Proposta de uma solução de recuperação ambiental da pedreira norte do Cabo Mondego. Acedido em 2 de dezembro de 2017, em: https://roteirosgeologicos.files.wordpress.com/2010/07/t7_a11.pdf

Rocha, J., Henriques, M., Brilha, J.(2012). O património geológico do Cabo Mondego (Portugal): avaliação da vulnerabilidade dos geossítios. Em: 1ª Edição, Imprensa da Universidade de Coimbra. Coimbra. Acedido em 1 de dezembro de 2017, em: https://www.researchgate.net/publication/257815985_O_Patrimonio_Geologico_do_Cabo_Mondego_Portugal_-_Avaliacao_da_Vulnerabilidade_dos_Geossitios

Rocha, J. (2008). Os locais de interesse geológico do Cabo Mondego. Proposta de recuperação das pedreiras tendo em atenção os riscos geomorfológicos identificados. Territorium, 15: 73-81. Acedido em 1 de dezembro de 2017, em:

Romeiro, A. (2016). Contributo para a Valorização e Recuperação das Pedreiras do Cabo Mondego - Potencial para Geoturismo. Tese de Mestrado em Arquitetura Paisagista. Instituto Superior de Agronomia - Universidade de Lisboa, Lisboa. 53 pp.


2 comentários:

Unknown disse...

Ana,
Interessante perceber como diversas atividades humanas impactam e ameaçam a geodiversidade, porque aparentemente a exploração mineral nos salta aos olhos. Mas quando refletimos que quase tudo que fazemos afeta a paisagem, percebemos o valor das nossas ações sobre o meio ambiente. A atividade humana age como um acelerador do processo natural de alteração das características da paisagem. O desafio é justamente em dosar a exploração com a sustentabilidade, já que nosso estilo de vida depende dos recursos naturais a nossa volta.

Unknown disse...

Cara Ana,
após leitura cuidada da reflexão que fez, fica bem patente que a preservação ambiental é um dos principais desafios da nossa época. Portugal, apesar de ter elaborado diferentes planos de ordenamento, suportados por decretos regulamentares, que permitiriam definir usos preferenciais, condicionados e interditos do solo, orientados por critérios de conservação, parece, no entanto, que subsiste uma grande dificuldade de aliar a teoria à prática. Tome-se como exemplo, o Parque Natural da Arrábida. Um Parque Natural, por definição, constitui uma área protegida que visa a proteção dos valores naturais existentes e a adoção de medidas compatíveis com os objetivos da sua classificação. Todavia, apesar da criação desta área protegida, cujo principal objetivo consistia em salvaguardar os valores naturais da Serra da Arrábida, foram licenciadas certas atividades económicas que violam todos os pressupostos inerentes à salvaguarda de um parque natural. São muitos os exemplos que aqui poderia expor, porém, as inúmeras pedreiras ou a laboração da cimenteira do Outão, com a co-incineração de resíduos industriais perigosos, são os que considero mais abomináveis no designado Parque Natural da Arrábida. Aqui há uns anos, uma estação de televisão realizou uma entrevista ao então Ministro do Ambiente e, apesar de já terem passados muitos anos, a jornalista fez uma questão, com alguma dificuldade, face ao barulho da pedreira, e que me recordo até hoje e que foi a seguinte: “Senhor ministro, considera que perante as condições do local onde nos encontramos, temos a ideia de estarmos em pleno parque natural?”, questão à qual prontamente respondeu “obviamente que não, mas...”
Infelizmente, este é um dos muitos exemplos que temos em Portugal, e que a Ana bem retratou na Serra da Boa Viagem, acerca da falta de vontade e compromisso com uma verdadeira e sentida consciência ecológica.

Cumprimentos,

Sandra Duarte

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