Conservação da biodiversidade em espaço urbano

SERRA DA BOA VIAGEM E O CABO MONDEGO - Ameaças à geodiversidade...

Ameaças à geodiversidade...

São várias as ameaças que a geodiversidade sofre hoje em dia, mas em primeiro lugar, devemos distinguir o que são ameaças e o que são processos geológicos naturais que podem alterar fenómenos geológicos de forma natural. Consideraremos ameaças apenas as de origem antrópica, em geral muito mais rápidas na sua capacidade destruidora do que os processos geológicos naturais. Como as ameaças à biodiversidade, estas podem afetar a geodiversidade em diferentes escalas e em graus distintos mas estão essencialmente provocadas pela necessidade do ser humano de explorar a geologia para garantir a sua qualidade de vida. As principais atividades humanas causadoras de ameaças são: a exploração de recursos geológicos; o desenvolvimento de obras e estruturas; a gestão das bacias hidrográficas; a florestação, desflorestação e agricultura; as atividades militares; as atividades recreativas e turísticas; a colheita de amostras geológicas para fins não científicos e a iliteracia cultural (Brilha. 2005).


1 - Exploração de recursos geológicos
A atividades de exploração dos recursos minerais conduzem, inevitavelmente, a uma destruição da parte importante da geodiversidade. A obtenção dos mais variados materiais geológicos para sua posterior utilização pelo homem, e consequentemente impacte na geodiversidade, constitui um preço a pagar pelo nível de desenvolvimento e conforto de que as sociedades industrializadas usufruem.
De acordo com Brilha (2005) as atividades de exploração de recursos minerais podem constituir uma ameaça à geodiversidade a dois níveis: 
Ao nível da paisagem: as explorações a céu aberto em particular, quando não são implementadas estratégias minimizadoras dos impactos que afetem de modo negativo, a paisagem natural da região onde estão implementadas.
Ao nivel do afloramento: a atividade extrativa pode consumir objetos geológicos, como fósseis ou minerais, de valor científico, pedagógico ou outros. Pode igualmente danificar ou destruir formações e estruturas rochosas que tenham, por alguma razão, um valor particular

A atividade extrativa das pedreiras origina largas extensões de áreas degradadas, que se materializam com a alteração do relevo, perda de solo, fauna e flora (fig.2).
Fig. 2 - Pedreira Norte nas Serra da Boa Viagem (http://caminhadasnapraiadequiaios.blogspot.pt)
2 - Desenvolvimento de obras e estruturas
Todas as grandes obras induzem impactos negativos sobre a geodiversidade. Desde a abertura de vias de comunicação, passando pela construção de barragens ou de edifícios de grande envergadura, são variados os tipos de intervenções que podem constituir ameaças à geodiversidade.
Nas sociedades industrializadas, a produção diária de resíduos atinge proporções assustadoras. As antigas explorações mineiras a céu aberto tem sido utilizadas sem preparação técnica para receber resíduos. Este procedimento pode inutilizar locais de grande interesse científico, pedagógico e turístico, sem resolver de modo sustentável, o problema do armazenamento de resíduos.

3 - Gestão das bacias hidrográficas
No sentido de regularizar de caudais de rios e de prevenção/minimização de cheias algumas bacias hidrográficas foram sujeitas a enormes intervenções (construção de barragens, diques e canais) alteram radicalmente os processos hidrológicos e hidrogeológicos (Brilha, 2005).

4 - Atividades militares
As atividades militares, quer de treino , quer reais provocam erosão dos solos e contaminação das águas águas superficiais e subterrâneas e consequentemente têm claros efeitos negativos no património geológico (Brilha, 2005). Felizmente, o território português tem sido poupado de ações bélicas significativas desde o século XIX.

5 - Florestação, desflorestação e agricultura
O crescimento da vegetação constitui um fator de ocultação de características geológicas de uma dada região, podendo levar à diminuição dos valores científicos e pedagógicos da geodiversidade.
A desflorestação, por outro lado, pode ter também efeitos permiciosos sobre a geodiversidade pois incrementa a erosão dos solos e a perda da camada superficial e fértil do solo que demorará a recuperar. Igual efeito verifica-se após a ocorrência de fogos florestais de grandes dimensões (fig. 3).
A agricultura intensiva/industrializada pode causar um impacte negativo sobre os solos, uma vez que a utilização de máquinas pesada leva à sua erosão e o uso intensivo de adubos e pesticidas pode contaminar as águas superficiais e subterrâneas.
Fig.3 - Serra da Boa Viagem (chavedespedro.blogspot.pt).
6 - Atividades lúdicas e turística
As atividades turísticas e recreativas (turismo ambiental e desporto na natureza) podem ter graves impactos no património geológico. Este tipo de atividades, como por exemplo, a realização de atividades com motorizadas de todo-terreno em dunas ou falésias (fi.4), a escalada em certas escarpas, a visitação de grutas e algares, ou mesmo o pisoteio se praticadas sem regras e sem contenção das cargas de visitação são um problema para a conservação.
Fig.4 - Passeios de moto quatro pela serra (http://www.capitaodureza.com).
7 - Colheita de amostras geológicas para fins não científicos
A possibilidade de recolher amostras é um aspeto determinante na análise da vulnerabilidade de um geossítio, uma vez que tal atividade pode potenciar a maior afluência de visitantes, com a consequente alienação e delapidação dos afloramentos. Em muitos casos a retirada de materiais geológicos valiosos é realizada para colecionismo sem fins científicos o que tem afetado de modo muito grave a conservação, essencialmente, de fósseis e minerais, pois como são recursos não renováveis a taxa de colheita é incomparavelmente superior à sua reconstituição.
Fíg. 5 - Fósseis à venda na internet.
8 - Iliteracia cultural
Por último, Brilha (2005), alude a um grande problema que é a ignorância, a falta de informação e o desconhecimento do valor da geodiversidade numa sociedade apelidada da informação, pois paradoxalmente não há consciência crítica para a postura de geoconservação por quase toda a sociedade. Assim é necessário divulgar conhecimentos de geodiversidade ao grande público. Porque só se dá valor ao que se conhece e só se protege aquilo a que se dá valor.



Ameaças a geodiversidade do Cabo Mondego...




O Cabo Mondego, localizado no bordo ocidental da Serra da Boa Viagem, aproximadamente a 6 km a Noroeste da Figueira da Foz, é conhecido internacionalmente pela importância estratigráfica dos seus floramentos. Com base na excecional qualidade do registo geológico, bem como na sua importância científica e no seu valor didático, os afloramentos do Cabo Mondego foram classificados como Monumento Natural em 2007, integrando a Rede Nacional de áreas Protegidas. No entanto, esta medida, por si só, não é suficiente para proteger, valorizar e divulgar o património geológico daquele Monumento Natural com 12 geossítios (Rocha et al., 2012).
Apesar da sua beleza e importância, o Cabo Mondego encontra-se um pouco marginalizado e numa situação de periferia face às atividades turísticas que se desenvolvem no contexto da área de influência da Figueira da Foz, enquanto região turística.

1 - Exploração de recursos geológicos
Na Serra da Boa Viagem – Figueira da Foz – está implantada uma indústria extractiva cuja atividade tem contribuído para a destruição de parte do seu sector ocidental – o Cabo Mondego. Os profundos impactes decorrentes da extracção do calcário são visíveis ao longo das vertentes adjacentes ao Monumento Natural do Cabo Mondego, contribuindo para a desvalorização desta Área Protegida e comprometendo o seu usufruto público (Rocha, 2008) (Romeiro, 2016).
A atividade mineira no Cabo Mondego teve início em 1773, com a extração de carvão mineral na Mina de Carvão de Pedra de Buarcos, reconhecida como uma das mais antigas explorações carboníferas em Portugal. No início do século XIX, é construído o primeiro forno de cal, iniciando a transformação do Couto Mineiro (complexo industrial onde se explorava o jazigo carbonífero) em Complexo Industrial do Cabo Mondego, com a instalação das indústrias de Cal, Cerâmica, Vidro, Electricidade e Cimento. A exploração de matéria-prima destinada ao fabrico de cal hidráulica desenvolveu-se numa área de aproximadamente 58 hectares (Calapez, et al. 2005)(Pinto, sd).
Fig. 7 - Minas do Cabo Mondego (Coleção J. Soares Pinto)
De toda a actividade extrativa realizada no Cabo Mondego resultaram impactes ambientais que são bem visíveis na paisagem (fig. 8, 9), com riscos de desabamento em grande parte da sua extensão. Todo este espaço, afecto à atividade mineira, deve ser objecto de um plano de recuperação e de reconversão, no sentido de minimizar tais impactes e riscos, nomeadamente através do estabelecimento de novas funções e dinâmicas às áreas de pedreira sem, no entanto, descuidar a valorização e preservação dos diversos valores (natural e histórico) ali reconhecidos (Pinto, sd) (Romeiro, 2015).
No Cabo Mondego, a indústria cimenteira até 2013 a funcionar no local, determinou impactos severos na paisagem, começando por consumir o seu carácter natural. A instalação desta indústria e o seu constante funcionamento, mesmo que exterior aos limites da área definida como monumento natural, conduziram a uma brusca alteração do equilíbrio natural dos ecossistemas, incluindo fauna e flora, pois a nível ambiental a sua presença é marcada por intensos ruídos e vibrações, emissão de gases e poeiras. Os solos e os recursos hídricos foram contaminados e, nos casos mais graves, perdidos. Produziram-se alterações microclimáticas e destruiu-se o património geológico e arqueológico, tornando-se irrecuperável. Ao nível dos ecossistemas marinhos, os impactos, tanto a nível florístico como faunístico e até na própria água, são incalculáveis (Pinto, sd)(Rocha, 2008).


2 - Desenvolvimento de obras e estruturas
A Pedreira Norte durante os anos de 1985 a 1998 foi utilizada, pelo município da Figueira da Foz, para a deposição de resíduos sólidos urbanos o que terá representado prejuízos ambientais ainda hoje por calcular (Pinto, s.d). Junto a alguns acessos ao Cabo Mondego podem encontrar-se volumes consideráveis de lixos depositados por transeuntes, especialmente da Estrada Nacional 109-8 que circunda a Serra da Boa Viagem (Romeiro, 2016).

3 - Florestação, desflorestação e agricultura

Em função da evolução da paisagem, muito por conta dos impactes das atividades extrativas e antrópicas, como por exemplo os incêndios, observam-se grandes alterações no coberto vegetal, tanto do Cabo Mondego como da Serra da Boa Viagem.

De acordo com Pinto (1997) citado por Romeiro (2016 ) no passado a perda de coberto vegetal ficou a dever-se aos incêndios, alguns originados pelas populações para se defenderem dos lobos e javalis ou para obter espaço para pastoreio, mas também a cortes efetuados pela população e pela indústria aí instalada. Entre 1913 e 1925 ocorreu uma reflorestação, onde foram introduzidas espécies exóticas, como acácias e eucaliptos.

4 - Atividades lúdicas e turística
Outro impacto importante é função da prática de pesca desportiva nas escarpas do Cabo Mondego. Há alguns pescadores mais corajosos que arriscam pescar nos rochedos da base do Cabo Mondego, acabam por alterar, mesmo que em pequena escala, a paisagem costeira ao criar acessos pedestres, destruindo a vegetação. O acesso é complicado e faz-se, tanto quanto se sabe, pela praia de Quiaios durante a maré baixa, que torna possível chegar aos rochedos que durante o resto do tempo estão submersos. Atualmente o controlo de acessos diurno é feito apenas pela antiga entrada principal da Fábrica da Cimpor, com registo de entradas, no entanto é possível aceder a qualquer altura pela entrada Norte da Praia de Quiaios.
Também pela Serra da Boa Viagem há frequentes ataques à geodiversidade com a prática de desportos motorizados – provas de enduro, rallys, provas de motocross, passeios de moto-quatro e de todo terreno (fig.11).
Fig. 11 - Desportos motorizados na Serra da Boa Viagem (Fotos deRally de Portugal e do IUCNF)

5 - Colheita de amostras geológicas para fins não científicos
No Jurássico do Cabo Mondego, as excecionais condições de observação e a invulgar continuidade no registo sedimentar aliam-se a um importante espólio de associações de fósseis particularmente significativo nos domínios da paleontologia de amonites e da paleoicnologia de dinossauros (fig.12) (Rocha, et al., 2008). Muitos visitantes tendem a recolher fósseis pela sua beleza variedade para colecionismo.
Fig.12 -  Fósseis do Cabo Mondego.

Concluindo, em muitos casos as ações antrópicas que afetam a biodiversidade e a geodiversidade são as mesmas, daí a importância de estratégias de conservação integradas e baseadas nos dois recursos e não apenas num deles. Provavelmente, a única diferença será que, no caso da geodiversidade, devido à menor divulgação deste conceito, existe uma maior iliteracia por parte da população o que se traduz numa menor preocupação com a sua conservação. Assim a a educação, a divulgação do património geológico e o seu valor torna-se uma ação de conservação essencial.


EDUCAÇÃO, EDUCAÇÃO e EDUCAÇÃO é  a solução!!

Bibliografia

Brilha, J. (2005). Património geológico e geoconservação: a conservação da natureza na sua vertente geológica. Palimage Editores, Viseu.

Callapez, P., Pinto, M., Brandão, J., Santos, V., Azenha, M. e Pinto, R. (2015). A mina de carvão do Cabo Mondego e a Paleontologia portuguesa. Em: Memórias do Carvão, pp. 27-50. Acedido em 1 de dezembro de 2017, em:

Gray, M. (2004). Geodiversity: Valuing and Conserving Abiotic Nature. John Wiley and Sons, Chichester, England.

Pinto, J.; Saraiva, A. (s/d). Proposta de uma solução de recuperação ambiental da pedreira norte do Cabo Mondego. Acedido em 2 de dezembro de 2017, em: https://roteirosgeologicos.files.wordpress.com/2010/07/t7_a11.pdf

Rocha, J., Henriques, M., Brilha, J.(2012). O património geológico do Cabo Mondego (Portugal): avaliação da vulnerabilidade dos geossítios. Em: 1ª Edição, Imprensa da Universidade de Coimbra. Coimbra. Acedido em 1 de dezembro de 2017, em: https://www.researchgate.net/publication/257815985_O_Patrimonio_Geologico_do_Cabo_Mondego_Portugal_-_Avaliacao_da_Vulnerabilidade_dos_Geossitios

Rocha, J. (2008). Os locais de interesse geológico do Cabo Mondego. Proposta de recuperação das pedreiras tendo em atenção os riscos geomorfológicos identificados. Territorium, 15: 73-81. Acedido em 1 de dezembro de 2017, em:

Romeiro, A. (2016). Contributo para a Valorização e Recuperação das Pedreiras do Cabo Mondego - Potencial para Geoturismo. Tese de Mestrado em Arquitetura Paisagista. Instituto Superior de Agronomia - Universidade de Lisboa, Lisboa. 53 pp.


SERRA DA BOA VIAGEM E O CABO MONDEGO - VALORES DA GEODIVERSIDADE


SERRA DA BOA VIAGEM E O CABO MONDEGO - VALORES DA GEODIVERSIDADE
A conservação e a proteção da Geodiversidade justifica-se porque lhe é atribuído algum valor, sejam eles cultural, sentimental,económico ou outro. Assim de acordo com a discriminação proposta de Gray (2004), os valores da geodiversidade são: intrínseco, cultural, estético, económico, funcional, científico e educativo.

                                                                                 Estratótipo                                           (ICNF(® J. Rocha)

O Valor Intrínseco
O valor intrínseco está relacionado com o valor próprio e essencial da natureza, sendo o homem considerado como parte integrante dela, constitui pois o valor mais subjetivo dado à geodiversidade.
A culminar a Serra da Boa Viagem, entre as praias da Murtinheira e da Figueira da Foz, o Cabo Mondego é o único ponto escarpado da costa central portuguesa. Trata-se de um portentoso enrugamento de rochas calcárias que entram pelo mar adentro. Nos afloramentos jurássicos do Cabo Mondego, onde funcionaram as Minas de Carvão do Cabo Mondego e, mais recentemente, é explorada cal hidráulica, cada camada de sedimentos é um relato da evolução geológica da Terra no período decorrente entre 185 M.a. e 140 M.a.. Resumindo, o Cabo Mondego apresenta elevados valores nos domínios da paleontologia de amonites, da paleontologia de ambientes de transição, da sedimentologia e da paleoicnologia dos dinossáurios constituindo padrão internacional de referência - materialização e representação de um limite específico do tempo geológico - consagrado pela International Union of Geological Sciences e caso único em Portugal.

O Valor Cultural
O valor cultural manifesta-se pela interdependência entre a geodiversidade e o desenvolvimento social, cultural e/ou religioso e mítico do homem (Brilha, 2005) (Gray, 2004).
O Parque Florestal da Serra da Boa Viagem constitui a maior área florestal junto à cidade da Figueira da Foz, representando, com os seus cerca de 400 hectares, não só um enorme valor paisagístico e ambiental mas, igualmente, uma área de lazer que contribui para a qualidade de vida dos seus utentes. O Parque Florestal da Serra da Boa Viagem conta com variados equipamentos de usufruto público, associados às atividades desportivas, de recreio informal e de informação ambiental, constituindo-se uma área com enorme valor ecológico para aqueles que procuram um espaço verde, com bonitas paisagens, para passear, praticar diversos desportos ao ar livre, correr, andar de bicicleta, observar a flora e descobrir a fauna (Câmara Municipal da Figueira da Foz, 2014). É no interior deste parque florestal que se localiza as ruínas do Pharol do Cabo Mondego (fig. 3) e o atual farol do Cabo Mondego (fig.4), conhecido pelo novo farol, que começou a ser construído em 1917, ficando a obra concluída em 1922. Este farol sucedeu ao antigo farol que acabou por desativado após a entrada em funcionamento deste. Crê-se que os motivos que levaram à construção de um novo farol foram interesses relacionados com a empresa exploradora das minas e também por má visibilidade do antigo farol, assim sendo foi construído este farol mais a Norte. Do antigo farol restam apenas algumas ruínas Portugal tem uma notável história marítima, não surpreende que os faróis tenham desempenhado um papel importante na cultura portuguesa, e que sejam hoje monumentos nacionais muito acarinhados.
Fig.4-Farol do Cabo Mondego (lifecooler.com)

Fig.3-Antigo Pharol(geocaching.com).








                     


Na Serra da Boa Viagem é, ainda, possível visitar  a Capela Santo Amaro,  assim como a Mamoa de Santo Amaro e o Dólmen (fig.5) que são monumentos megalíticos. As linhas de festo da Serra da Boa Viagem e das Alhadas apresentam monumentos megalíticos e povoados pré-históricos.
Os mineiros do Couto Mineiro do Cabo Mondego eram também devotos de Santa Bárbara, padroeira dos artilheiros, dos mineiros e das pessoas que trabalham com fogo, tendo construído locais de culto, nomeadamente a Capela de Santa Bárbara que se situa junto ao mar no percurso Cabo Mondego/Buarcos no acesso ao Cabo Mondego.
Fig. 5 - Mamoa de Santo Amaro (Foto de José Diogo Santos)
A história aqui tem por si só um valor muito elevado, os registos fósseis encontrados no Cabo Mondego falam por si.

Valor Estético
Assim como a atribuição do valor intrínseco à geodiversidade, o valor estético é também uma atitude subjetiva e de difícil quantificação. A dificuldade está em decidir qual das paisagens é mais bela (fig.6). Pois grande parte do encantamento das pessoas no contacto com a natureza está associada às paisagens naturais, aonde os aspetos geológicos estão presentes (Brilha, 2005) (Gray, 2004).
     Fig.6- A  beleza única do Cabo Mondego. Foto de Mauro Correia.

Valor Económico
Quando falamos no valor económico da geodiversidade associamos a algo mais objetivo, pois estamos habituados a atribuir um valor económico a praticamente todos os bens e serviços.
Como exemplos: a exploração de petróleo, carvão e gás natural são essenciais para a produção de combustíveis; a exploração de minerais radioativos, como o urânio, que são usados como combustíveis em centrais nucleares, o aproveitamento do calor interno da terra, a construção de barragens para aproveitamento hidroelétrico, o aproveitamento da energia das marés e das ondas (Brilha, 2005) (Gray, 2004).

A descoberta de camadas de carvão no Jurássico Superior do Cabo Mondego (fig.7) e o seu aproveitamento para fins económicos, remontam à década de cinquenta do século XVIII e devem-se a um cidadão inglês residente na Figueira da Foz.
Fig. 7- Camada de carvão do Jurássico Superior .
A lavra mineira do Couto Mineiro do Cabo Mondego (fig.8) iniciou-se a partir de 1773, por ordem do Marquês de Pombal e, durante mais 200 anos, forneceu matérias-primas (hulha betuminosa, lignite e pirite) que contribuíram para o arranque da Revolução Industrial em Portugal e para alimentar as necessidades em combustível de uma indústria emergente, num país carente de desenvolvimento fabril e pouco bafejado pelos recursos naturais, apesar dificuldades inerentes a um jazigo de exploração difícil e de fraca qualidade (Calapez et al., 2015) (Soares et al., 2015).

Fig.8 - Panorâmica do largo da central de força motriz e de entrada da mina através da galeria "Santa Bárbara" em 1925, na qual são visíveis, embora já tapadas, as bocas dos dois primeiros poços, "Raposos".Coleção J.S. Pinto. (Calapez, et al.,2015).

Valor Funcional
O conceito de valor funcional da geodiversidade foi introduzido pela primeira vez por Gray (2004), admitindo-se que este valor não tenha expressão nos princípios da Conservação da Natureza. Não obstante esta lacuna, parece-nos evidente a sua relevância tanto para os sistemas físicos como biológicos. Desta forma, segundo Brilha (2005), no valor funcional da geodiversidade são reconhecidas duas perspetivas diferentes: (i) Reconhece-se o valor da geodiversidade in situ, considerando o carácter utilitário para o ser humano; e (ii) Reconhece-se o valor da geodiversidade enquanto substrato para a sustentação dos sistemas físicos e ecológicos na superfície terrestre.
O modelado proporcionado pela exploração permite obter condições propícias a práticas culturais como o teatro ou cinema ao ar livre, bem como concertos musicais integrados em várias iniciativas, que poderiam partir das atividades no âmbito do turismo da Figueira da Foz, mas também estar associadas aos mecenas interessados. Este valor é indissociável do valor turístico, devido ao uso potencial das infraestruturas aí construídas e das estruturas naturais.
Em 1886, no Cabo Mondego, havia dois fornos industriais de queima de cal, e a exploração mineira tornara-se intensa, o carvão era pobre. Terá sido na abertura de uma galerias de exploração que surgiu água sulfúrea, muito provavelmente na mesma “veia da do olhinho” da praia de Santa Bárbara (imergência na praia só visível nas marés vazias) (fig.9). Os professores do Instituto Geral de Agricultura, Ferreira Lapa e Gaspar Gomes são os autores da primeira análise feita a estas águas em 1877. Gomes estimou o seu caudal em 129.600 litros em 24h, considerou que a água com origem nas camadas geológica superficiais, eram na sua origem sulfatadas cálcicas tornando-se em contacto com o ar sulfídricas. Lapa encontrou na sua mineralização: sílica; cal; magnesia, cloretos e ácido sulfídrico, com uma mineralização de 1,6g. A utilização curativa, para afeções digestivas e dermatoses, desta água só reside na memória dos mais velhos e nunca foi concretizada uma exploração termal (Projecto POCTI/ ANT, 2002). Esta riqueza hidrogeológica tem sido esquecida.
 Fig.9- Boca do esgoto mineiro por onde escoava a água sulfatada (a) e Praia de Santa Bárbara, local da imergência da água sulfatada (Projecto POCTI/ ANT, 2002).

Valor Científico e Educativo
O valor científico e educativo é reconhecidamente um valor abrangente, tanto para a investigação científica, como para o domínio das ciências da terra e da natureza. Relativamente a atividades educativas e de campo são primordiais o contacto com a natureza (fig.10). Os conteúdos programáticos do Ensino Básico e Secundário encontram-se materializados nos afloramentos do Cabo Mondego.
      Fig.10 - Saídas de campo no Cabo Mondego.
Os a floramentos jurássicos do Cabo Mondego proporcionam excelentes condições de observação e estudo, conferem ao Cabo Mondego um valor científico, pedagógico e didático inexcedível, nacional e internacionalmente reconhecido, para além do seu grande interesse geomorfológico e notável qualidade paisagística O perfil geológico da passagem Aaleniano-Bajociano, consagrado como estratotipo de limite pela International Union of Geological Sciences, constitui um padrão internacional de referência, que materializa e representa um limite específico do tempo geológico, o que acontece pela primeira vez em Portugal (Rocha et al, 2012).
O Cabo Mondego é um verdadeira Biblioteca da História Geológica (fig.11) do período Jurássico, entre os 185 e os 120 milhões de anos. Ao longo de cerca de 2 km de arriba, pode-se ver a sucessão de diversos paleoambientes (paleoecologia de ambientes de transição), resultado de regressões e transgressões marinhas ocorridas nesta zona, apreciar as formações e as estruturas de origem sedimentar, observar muitos registos fósseis (paleontologia de amonites, paleoicnologia dos dinossáurios), animais e vegetais (fig.12), impressionar-se com as forças tectónicas que ergueram e inclinaram as bancadas calcárias (sedimentologia e estratigrafia) (Rocha et al, 2012), enfim, arrebatar-se com a presença de um verdadeiro tesouro super-antiquíssimo. Um tesouro único, que temos à nossa disposição e que é de todos nós.
Fig.11 - Cada estrato é um livro de História Geológica. (Foto de Nuno Miguel Pais Trabulo)


Fig. 12 - Fóssil de amonite e um icnofóssil, neste caso uma pegada tridáctila de dinossauro (IUCNF ® J. Rocha).


Bibliografia
Brilha, J. (2005). Património geológico e geoconservação: a conservação da natureza na sua vertente geológica. Palimage Editores, Viseu.

Callapez, P., Pinto, M., Brandão, J., Santos, V., Azenha, M. e Pinto, R. (2015). A mina de carvão do Cabo Mondego e a Paleontologia portuguesa. Em: Memórias do Carvão, pp. 27-50. Acedido em 1 de dezembro de 2017, em:

Câmara Municipal da Figueira da Foz. (2014). Parque Florestal da Serra da Boa Viagem. Acedido em 1 de dezembro de 2017, em: http://www.cm-figfoz.pt/index.php/onde-ir/patrimonio-natural/367-visitar/onde-ir/patrimonio-natural/873-serra-boa-viagem

Gray, M. (2004). Geodiversity: Valuing and Conserving Abiotic Nature. John Wiley and Sons, Chichester, England.

Pinto, M., Callapez, P., Brandão, J., Santos, V. e Pinto, R. (2015). A mina de carvão do Cabo Mondego: 200 anos de exploração. Em: Memórias do Carvão, pp. 235-258. Acedido em 1 de dezembro de 2017, em:


Rocha, J., Henriques, M., Brilha, J.(2012). O património geológico do Cabo Mondego (Portugal): avaliação da vulnerabilidade dos geossítios. Em: Para Aprender com a Terra: Memórias e Notícias de Geociências no Espaço Lusófono. 1ª Ediçãotion, Imprensa da Universidade de Coimbra. Coimbra. Acedido em 1 de dezembro de 2017, em: https://www.researchgate.net/publication/257815985_O_Patrimonio_Geologico_do_Cabo_Mondego_Portugal_-_Avaliacao_da_Vulnerabilidade_dos_Geossitios

     

Abrasão marinha


Abrasão Marinha no Barlavento Algarvio

As zonas costeiras são caraterizadas pela intensa ação da água do mar sobre o litoral, resultante do movimento da água devido às marés, movimento de ondas e correntes marinhas. A atividade geológica do mar compreende a meteorização, a erosão, o transporte de sedimentos e a respetiva acumulação – a sedimentação. Esta acção dá origem a formas de relevo de erosão, como as arribas, e de formas de deposição, de que são exemplo as praias.
As arribas são faixas de litoral escarpado cuja base está sujeita a intenso desgaste – abrasão marinha, pelo que a perigosidade associada a uma derrocada é inerente à própria existência de arribas.
A ocupação desordenada e não planificada de áreas de elevado risco geológico como as arribas pode conduzir ao surgimento de catástrofes que provocam elevados prejuizos humanos e materiais assim como perda de biodiersidade na plataforma de abrasão e geodiversidade.

Em 21 de Agosto de 2009, pelas 12h00, ocorreu movimento de massa instantâneo num leixão localizado no extremo nascente da praia Maria Luísa (Albufeira), de que resultou a morte de cinco pessoas e ferimentos noutras duas, que se encontravam na base desse leixão no momento da derrocada.

O padrão de ocupação turística do Algarve e a geodinâmica natural das arribas, traduzida na ocorrência descontínua e intermitente de movimentos de massa, determinam a existência de risco quer para as estruturas construídas no topo das vertentes, quer para os utentes das praias por elas suportadas. O lamentável acidente registado na praia Maria Luísa tem um nível de probabilidade muito baixo, já que a esmagadora maioria dos movimentos de massa ocorre durante o Inverno hidrológico, quando a ocupação das praias é residual (Teixeira, 2009).


BIBLIOGRAFIA:
Teixeira, S. (2009).Geodinâmica, ocupação e risco na praia Maria Luísa (Albufeira) - Administração da Região Hidrográfica do Algarve, Departamento de Recursos Hídricos do Litoral Departamento de Recursos Hídricos do Litoral. Faro.

Geodiversidade e exploração dos recursos minerais

Monumento Natural das Pegadas de Dinossáurios 
da Serra de Aire

A geodiversidade encontra-se constantemente ameaçada, sendo maioritariamente proveniente da direta ou indireta ação antrópica. Este aspeto não difere muito no que se refere às ameaças para a geodiversidade ou para a biodiversidade. A geodiversidade encontra-se ameaçada de diversas formas desde a degradação da paisagem natural à destruição de um pequeno afloramento. As atividades de exploração dos recursos minerais conduzem, inevitavelmente, a uma destruição de parte importante da geodiversidade (Brilha, 2005). A necessidade de aquisição dos mais variados materiais geológicos para posteriormente serem utilizados pelo Homem a nível do desenvolvimento e conforto de que as sociedades industrializadas usufruem constituem um enorme impacto na geodiversidade. A exploração dos recursos minerais não metálicos (pedreiras, saibreiras, areeiros, barreiros) constitui, portanto, uma ameaça à geodiversidade ao nível da paisagem e ao nível do afloramento com a destruição de objectos geológicos, como fósseis ou minerais, de valor científico, pedagógico ou outro. Contudo a atividade extractiva é um método direto do estudo da Terra pois pode servir para abrir “janelas” para o interior da crusta terrestre (Brilha, 2005) (Cachão e Silva, 2004).
Um bom exemplo é o Monumento Natural das Pegadas dos Dinossáurios da Serra de Aire que se situa na antiga pedreira, a Pedreira do Galinha (fig.1).

Fig.1 - Monumento Natural das Pegadas dos Dinossáurios da Serra de Aire que se situa
 numa antiga pedreira.
Num final de tarde primaveril de 1994, João Carvalho, da Sociedade Torrejana de Espeleologia e Arqueologia, descobriu, por um feliz acaso, um dos maiores achados do século XX, em Portugal – vários trilhos de pegadas de saurópodes (fig.2), de diferentes corpulências, com mais de 175 milhões de anos, pegadas que viriam a transformar a pedreira no monumento actual. Se não fossem uns jovens, interessados em espeleologia, à procura de fósseis na Serra D’Aire ainda hoje Rui Galinha estaria a explorar a pedreira, de 20 hectares, situada dentro de um parque natural, que herdou do seu pai (Cabeleira, 2006).
Fig. 2 - Pegadas de saurópodes.
O Museu Nacional de História Natural criou um grupo de trabalho, que realizou a avaliação científica, pedagógica e cultural deste icnótopo, para demonstrar às entidades oficiais e científicas, a importância paleontológica do achado (os 20 trilhos existentes, com mais de 1000 pegadas de saurópodes, são os maiores e os mais antigos trilhos de que há conhecimento, mas também, dos mais bem conservados) e consequente criação do monumento visto ser um local onde ocorrem evidências da geodiversidade – geossítio – com especial interesse, valor científico e excepcionais características didácticas e, como tal, deve ser conservado de modo a garantir que as futuras gerações de cientistas possam continuar a investigar, usando técnicas e métodos cada vez mais sofisticados.
Da descoberta acidental até à ao fecho da pedreira e classificação como monumento natural (Decreto Regulamentar 12/96 de 22 de Outubro) decorreram dois anos de durissímas e atribuladas negociações com o Estado (Cabeleira, 2006). 

Fig.3 - Jardim Jurássico.
Fig.4 - Aramossaurio - o cartão de visita do parque.
O monumento abriu ao público em março de 1997 e no mesmo ano é fundado o primeiro circuito autónomo de visita e de interpretação da jazida. Em 2002, é criado o Jardim Jurássico (fig.3) que mostra aos visitantes plantas atuais (fósseis vivos) de grupos botânicos caraterísticos no Mesozóico (fetos arbóreos e não arbóreos, cicas, araucárias, ginkos, zimbros, teixos e cavalinhas) e o Aramossáurio (fig.4). O parque possui ainda uma área de animação, um Centro de Animação Ambiental, um parque de merendas, um grande painel ilustrativo da evolução da vida na Terra ao longo do tempo geológico e diversos painéis informativos ao longo dos cerca de 1000 metros do seu percurso.



Onde se extraía brita para a construção civil está hoje instalado o Monumento Natural das Pegadas de Dinossáurios da Serra D’Aire e Candeeiros visitado anualmente por mais de 50 mil pessoas, uma obra que só existe porque lá antes existiu uma pedreira. 
Este caso foi um exemplo feliz visto que as acções de protecção de jazidas paleontológicas, no nosso País, possuem ainda caráter de excepção pois não fazem parte de um plano global e sistemático de definição, proteção e conservação do Património Paleontológico Português (Cachão e Silva, 2004).

Bibliografia:
Brilha, J. (2005). Património geológico e geoconservação: a conservação da natureza na sua vertente geológica, Palimage Editores. Viseu.

Cachão, M. e Silva, C. (2004). Introdução ao Património Paleontológico Português:
definições e critérios de classificação. Geonovas - Associação Portuguesa de Geólogos. 18: 13 – 19. Acedido em 29 de novembrode 2017, em: http://paleoviva.fc.ul.pt/cmsbibliogafia/cms061.pdf

Cabeleira, M. (2006, 23 de agosto). As pegadas que acabaram com a pedreira do Galinha. O Mirante, p.1. Acedido em 29 de novembrode 2017, em:


Monumento Natural das Pegadas de Dinossáurios da Serra de Aire. (2002). Conheça o Monumento. Acedido em 28 de novembro, em:    http://www.pegadasdedinossaurios.org/html/home.htm


Fotos: