SERRA DA BOA VIAGEM E O CABO MONDEGO - VALORES DA GEODIVERSIDADE


SERRA DA BOA VIAGEM E O CABO MONDEGO - VALORES DA GEODIVERSIDADE
A conservação e a proteção da Geodiversidade justifica-se porque lhe é atribuído algum valor, sejam eles cultural, sentimental,económico ou outro. Assim de acordo com a discriminação proposta de Gray (2004), os valores da geodiversidade são: intrínseco, cultural, estético, económico, funcional, científico e educativo.

                                                                                 Estratótipo                                           (ICNF(® J. Rocha)

O Valor Intrínseco
O valor intrínseco está relacionado com o valor próprio e essencial da natureza, sendo o homem considerado como parte integrante dela, constitui pois o valor mais subjetivo dado à geodiversidade.
A culminar a Serra da Boa Viagem, entre as praias da Murtinheira e da Figueira da Foz, o Cabo Mondego é o único ponto escarpado da costa central portuguesa. Trata-se de um portentoso enrugamento de rochas calcárias que entram pelo mar adentro. Nos afloramentos jurássicos do Cabo Mondego, onde funcionaram as Minas de Carvão do Cabo Mondego e, mais recentemente, é explorada cal hidráulica, cada camada de sedimentos é um relato da evolução geológica da Terra no período decorrente entre 185 M.a. e 140 M.a.. Resumindo, o Cabo Mondego apresenta elevados valores nos domínios da paleontologia de amonites, da paleontologia de ambientes de transição, da sedimentologia e da paleoicnologia dos dinossáurios constituindo padrão internacional de referência - materialização e representação de um limite específico do tempo geológico - consagrado pela International Union of Geological Sciences e caso único em Portugal.

O Valor Cultural
O valor cultural manifesta-se pela interdependência entre a geodiversidade e o desenvolvimento social, cultural e/ou religioso e mítico do homem (Brilha, 2005) (Gray, 2004).
O Parque Florestal da Serra da Boa Viagem constitui a maior área florestal junto à cidade da Figueira da Foz, representando, com os seus cerca de 400 hectares, não só um enorme valor paisagístico e ambiental mas, igualmente, uma área de lazer que contribui para a qualidade de vida dos seus utentes. O Parque Florestal da Serra da Boa Viagem conta com variados equipamentos de usufruto público, associados às atividades desportivas, de recreio informal e de informação ambiental, constituindo-se uma área com enorme valor ecológico para aqueles que procuram um espaço verde, com bonitas paisagens, para passear, praticar diversos desportos ao ar livre, correr, andar de bicicleta, observar a flora e descobrir a fauna (Câmara Municipal da Figueira da Foz, 2014). É no interior deste parque florestal que se localiza as ruínas do Pharol do Cabo Mondego (fig. 3) e o atual farol do Cabo Mondego (fig.4), conhecido pelo novo farol, que começou a ser construído em 1917, ficando a obra concluída em 1922. Este farol sucedeu ao antigo farol que acabou por desativado após a entrada em funcionamento deste. Crê-se que os motivos que levaram à construção de um novo farol foram interesses relacionados com a empresa exploradora das minas e também por má visibilidade do antigo farol, assim sendo foi construído este farol mais a Norte. Do antigo farol restam apenas algumas ruínas Portugal tem uma notável história marítima, não surpreende que os faróis tenham desempenhado um papel importante na cultura portuguesa, e que sejam hoje monumentos nacionais muito acarinhados.
Fig.4-Farol do Cabo Mondego (lifecooler.com)

Fig.3-Antigo Pharol(geocaching.com).








                     


Na Serra da Boa Viagem é, ainda, possível visitar  a Capela Santo Amaro,  assim como a Mamoa de Santo Amaro e o Dólmen (fig.5) que são monumentos megalíticos. As linhas de festo da Serra da Boa Viagem e das Alhadas apresentam monumentos megalíticos e povoados pré-históricos.
Os mineiros do Couto Mineiro do Cabo Mondego eram também devotos de Santa Bárbara, padroeira dos artilheiros, dos mineiros e das pessoas que trabalham com fogo, tendo construído locais de culto, nomeadamente a Capela de Santa Bárbara que se situa junto ao mar no percurso Cabo Mondego/Buarcos no acesso ao Cabo Mondego.
Fig. 5 - Mamoa de Santo Amaro (Foto de José Diogo Santos)
A história aqui tem por si só um valor muito elevado, os registos fósseis encontrados no Cabo Mondego falam por si.

Valor Estético
Assim como a atribuição do valor intrínseco à geodiversidade, o valor estético é também uma atitude subjetiva e de difícil quantificação. A dificuldade está em decidir qual das paisagens é mais bela (fig.6). Pois grande parte do encantamento das pessoas no contacto com a natureza está associada às paisagens naturais, aonde os aspetos geológicos estão presentes (Brilha, 2005) (Gray, 2004).
     Fig.6- A  beleza única do Cabo Mondego. Foto de Mauro Correia.

Valor Económico
Quando falamos no valor económico da geodiversidade associamos a algo mais objetivo, pois estamos habituados a atribuir um valor económico a praticamente todos os bens e serviços.
Como exemplos: a exploração de petróleo, carvão e gás natural são essenciais para a produção de combustíveis; a exploração de minerais radioativos, como o urânio, que são usados como combustíveis em centrais nucleares, o aproveitamento do calor interno da terra, a construção de barragens para aproveitamento hidroelétrico, o aproveitamento da energia das marés e das ondas (Brilha, 2005) (Gray, 2004).

A descoberta de camadas de carvão no Jurássico Superior do Cabo Mondego (fig.7) e o seu aproveitamento para fins económicos, remontam à década de cinquenta do século XVIII e devem-se a um cidadão inglês residente na Figueira da Foz.
Fig. 7- Camada de carvão do Jurássico Superior .
A lavra mineira do Couto Mineiro do Cabo Mondego (fig.8) iniciou-se a partir de 1773, por ordem do Marquês de Pombal e, durante mais 200 anos, forneceu matérias-primas (hulha betuminosa, lignite e pirite) que contribuíram para o arranque da Revolução Industrial em Portugal e para alimentar as necessidades em combustível de uma indústria emergente, num país carente de desenvolvimento fabril e pouco bafejado pelos recursos naturais, apesar dificuldades inerentes a um jazigo de exploração difícil e de fraca qualidade (Calapez et al., 2015) (Soares et al., 2015).

Fig.8 - Panorâmica do largo da central de força motriz e de entrada da mina através da galeria "Santa Bárbara" em 1925, na qual são visíveis, embora já tapadas, as bocas dos dois primeiros poços, "Raposos".Coleção J.S. Pinto. (Calapez, et al.,2015).

Valor Funcional
O conceito de valor funcional da geodiversidade foi introduzido pela primeira vez por Gray (2004), admitindo-se que este valor não tenha expressão nos princípios da Conservação da Natureza. Não obstante esta lacuna, parece-nos evidente a sua relevância tanto para os sistemas físicos como biológicos. Desta forma, segundo Brilha (2005), no valor funcional da geodiversidade são reconhecidas duas perspetivas diferentes: (i) Reconhece-se o valor da geodiversidade in situ, considerando o carácter utilitário para o ser humano; e (ii) Reconhece-se o valor da geodiversidade enquanto substrato para a sustentação dos sistemas físicos e ecológicos na superfície terrestre.
O modelado proporcionado pela exploração permite obter condições propícias a práticas culturais como o teatro ou cinema ao ar livre, bem como concertos musicais integrados em várias iniciativas, que poderiam partir das atividades no âmbito do turismo da Figueira da Foz, mas também estar associadas aos mecenas interessados. Este valor é indissociável do valor turístico, devido ao uso potencial das infraestruturas aí construídas e das estruturas naturais.
Em 1886, no Cabo Mondego, havia dois fornos industriais de queima de cal, e a exploração mineira tornara-se intensa, o carvão era pobre. Terá sido na abertura de uma galerias de exploração que surgiu água sulfúrea, muito provavelmente na mesma “veia da do olhinho” da praia de Santa Bárbara (imergência na praia só visível nas marés vazias) (fig.9). Os professores do Instituto Geral de Agricultura, Ferreira Lapa e Gaspar Gomes são os autores da primeira análise feita a estas águas em 1877. Gomes estimou o seu caudal em 129.600 litros em 24h, considerou que a água com origem nas camadas geológica superficiais, eram na sua origem sulfatadas cálcicas tornando-se em contacto com o ar sulfídricas. Lapa encontrou na sua mineralização: sílica; cal; magnesia, cloretos e ácido sulfídrico, com uma mineralização de 1,6g. A utilização curativa, para afeções digestivas e dermatoses, desta água só reside na memória dos mais velhos e nunca foi concretizada uma exploração termal (Projecto POCTI/ ANT, 2002). Esta riqueza hidrogeológica tem sido esquecida.
 Fig.9- Boca do esgoto mineiro por onde escoava a água sulfatada (a) e Praia de Santa Bárbara, local da imergência da água sulfatada (Projecto POCTI/ ANT, 2002).

Valor Científico e Educativo
O valor científico e educativo é reconhecidamente um valor abrangente, tanto para a investigação científica, como para o domínio das ciências da terra e da natureza. Relativamente a atividades educativas e de campo são primordiais o contacto com a natureza (fig.10). Os conteúdos programáticos do Ensino Básico e Secundário encontram-se materializados nos afloramentos do Cabo Mondego.
      Fig.10 - Saídas de campo no Cabo Mondego.
Os a floramentos jurássicos do Cabo Mondego proporcionam excelentes condições de observação e estudo, conferem ao Cabo Mondego um valor científico, pedagógico e didático inexcedível, nacional e internacionalmente reconhecido, para além do seu grande interesse geomorfológico e notável qualidade paisagística O perfil geológico da passagem Aaleniano-Bajociano, consagrado como estratotipo de limite pela International Union of Geological Sciences, constitui um padrão internacional de referência, que materializa e representa um limite específico do tempo geológico, o que acontece pela primeira vez em Portugal (Rocha et al, 2012).
O Cabo Mondego é um verdadeira Biblioteca da História Geológica (fig.11) do período Jurássico, entre os 185 e os 120 milhões de anos. Ao longo de cerca de 2 km de arriba, pode-se ver a sucessão de diversos paleoambientes (paleoecologia de ambientes de transição), resultado de regressões e transgressões marinhas ocorridas nesta zona, apreciar as formações e as estruturas de origem sedimentar, observar muitos registos fósseis (paleontologia de amonites, paleoicnologia dos dinossáurios), animais e vegetais (fig.12), impressionar-se com as forças tectónicas que ergueram e inclinaram as bancadas calcárias (sedimentologia e estratigrafia) (Rocha et al, 2012), enfim, arrebatar-se com a presença de um verdadeiro tesouro super-antiquíssimo. Um tesouro único, que temos à nossa disposição e que é de todos nós.
Fig.11 - Cada estrato é um livro de História Geológica. (Foto de Nuno Miguel Pais Trabulo)


Fig. 12 - Fóssil de amonite e um icnofóssil, neste caso uma pegada tridáctila de dinossauro (IUCNF ® J. Rocha).


Bibliografia
Brilha, J. (2005). Património geológico e geoconservação: a conservação da natureza na sua vertente geológica. Palimage Editores, Viseu.

Callapez, P., Pinto, M., Brandão, J., Santos, V., Azenha, M. e Pinto, R. (2015). A mina de carvão do Cabo Mondego e a Paleontologia portuguesa. Em: Memórias do Carvão, pp. 27-50. Acedido em 1 de dezembro de 2017, em:

Câmara Municipal da Figueira da Foz. (2014). Parque Florestal da Serra da Boa Viagem. Acedido em 1 de dezembro de 2017, em: http://www.cm-figfoz.pt/index.php/onde-ir/patrimonio-natural/367-visitar/onde-ir/patrimonio-natural/873-serra-boa-viagem

Gray, M. (2004). Geodiversity: Valuing and Conserving Abiotic Nature. John Wiley and Sons, Chichester, England.

Pinto, M., Callapez, P., Brandão, J., Santos, V. e Pinto, R. (2015). A mina de carvão do Cabo Mondego: 200 anos de exploração. Em: Memórias do Carvão, pp. 235-258. Acedido em 1 de dezembro de 2017, em:


Rocha, J., Henriques, M., Brilha, J.(2012). O património geológico do Cabo Mondego (Portugal): avaliação da vulnerabilidade dos geossítios. Em: Para Aprender com a Terra: Memórias e Notícias de Geociências no Espaço Lusófono. 1ª Ediçãotion, Imprensa da Universidade de Coimbra. Coimbra. Acedido em 1 de dezembro de 2017, em: https://www.researchgate.net/publication/257815985_O_Patrimonio_Geologico_do_Cabo_Mondego_Portugal_-_Avaliacao_da_Vulnerabilidade_dos_Geossitios

     

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