Evolução do conceito
Quando viajamos pelo nosso território, temos a sensação de percorrer regiões pertencentes a países diferentes, tal é o contraste que apresentam entre si, o qual é acentuado pelas influências climáticas atlânticas e mediterrânicas (Ramalho, 2004). Felizmente o nosso país e o nosso mundo é altamente diversificado (fig.1) em quase todos os sentidos - físicos, biológicos e culturais - e, embora isso produza problemas para a sociedade e até conflitos e guerra, queremos muito manter a nossa diversa e interessante casa (Gray, 2004).
Quando observamos o mundo físico inanimado que nos rodeia, sobre o qual caminhamos, no campo ou na cidade, aquilo de que imediatamente nos apercebemos é da enorme variedade de elementos e de processos geológicos que o constituem: as rochas e os minerais, os vales e as montanhas, os rios, a erosão costeira, os estratos sedimentares e os vulcões, as arribas litorais, os sismos e os tsunamis, as dunas, o carvão e o petróleo... etc. etc., etc., em suma a geodiversidade (Silva, 2008)!
Fig.1 - Geodiversidade em Portugal. |
Ao contrário do termo biodiversidade, o conceito análogo relativo à diversidade geológica não tem conquistado o mesmo grau de reconhecimento junto da sociedade é mais recente e não tem sido alvo de tanta cobertura mediática, não sendo ainda a sua definição consensual, mesmo entre os profissionais da área das Ciências da Terra, necessitando de ser clarificado face às inúmeras dúvidas que suscita (Brilha, 2005).
É difícil precisar quando foi utilizado pela primeira vez o conceito de geodiversidade, mesmo sob diferentes denominações. O primeiro uso desta concepção ocorreu na Tasmânia, em 1980, durante uma comunicação proferida por Kierman, que aplicou os termos “landform diversity” e “geomorfological diversity”, assim como as denominações “landform species” e “Landform communities” (Gray, 2004), onde o conceito aparece associado a termos biológicos. Segundo Gray (2004), a utilização do termo geodiversidade, emergiu em 1993, durante a realização da “Conferência Internacional sobre Conservação Geológica e Paisagem” em Great Malvern no Reino Unido, ao ser usado por Wiedenbein numa palestra relativa à conservação de geossítios nos países de língua alemã. Acredita-se que o despontar desta designação, em 1993, tenha sido impulsionado pela realização, no Rio de Janeiro, da Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento, em Junho de 1992. A referência bibliográfica mais antiga ao conceito de geodiversidade, segundo Gray (2004), ocorreu em 1993, no artigo “A methodology for the identification of significant landforms and geological sites for geoconservation purposes” da autoria do geólogo australiano Sharples, sendo anunciada como “…a diversidade de sistemas e características da Terra” (Gray, 2004). Sharples (1995) apresenta um breve enunciado de geodiversidade, sendo esta delineada como a variedade geológica, geomorfológica, de solos, colecções, sistemas e processos. Esta descrição inclui os processos atmosféricos, hidrológicos e climáticos que implicitamente condicionam a geologia, a paisagem e o solo. Entretanto, Eberhard (1997), citado por Silva (2006), inclui as evidências da história da Terra, das formas de vida, dos ecossistemas e dos ambientes existentes no passado. No trabalho de Alexandrowicz e Kozlowski (1999), citado por Silva (2006) é apenas indicado que a biodiversidade se refere à litosfera, que é necessário preserva-la e que a a valorização da geodiversidade, se efectiva a partir aos elementos integrantes do substrato ou meio físico que suportam a biosfera. Em conformidade com a ligação entre os aspectos geológicos e biológicos de uma determinada zona, o artigo de Erikstad (1999), citado por Gray (2005), apresentado no mesmo simpósio, analisa um plano de protecção da diversidade natural, nela incluindo a geodiversidade e a biodiversidade, discutindo as relações existentes entre estes dois conceitos numa perspectiva holística de gestão da natureza (Silva, 2006). Desta forma, enquanto para alguns autores a geodiversidade se limita ao conjunto de rochas, minerais e fósseis, para outros o conceito é mais alargado, integrando mesmo as comunidades de seres vivos (Brilha, 2005).
O conceito de geodiversidade não pode ser usado de modo análogo ao da biodiversidade, pois claramente existem diferenças na maneira como os meios biótico e abiótico estão organizados. Sobre este aspecto, Stock (1997), citado por Gray (2004), refere não existirem vantagens em forçar a geodiversidade a apresentar o mesmo suporte conceptual da biodiversidade (baseado em teorias biológicas e ecológicas, envolvendo espécies, géneros, famílias, etc), considerando mesmo, haver um grande número de desvantagens intelectuais no seu uso. Segundo Patzak (2000), citado por Gray (2004), a única analogia existente na biodiversidade e na geodiversidade, é que ambas envolvem uma diversidade de fenómenos, mas para além desta evidência, nenhuma afinidade adicional deve ser expressa ou indicada. Por sua vez Gray (2004), usa a seguinte definição “A geodiversidade é a variedade natural (diversidade) geológica (rochas, minerais, fósseis), geomorfológica (geoformas e processos) e características do solo. Incluindo as suas colecções, relações, propriedades, interpretações e sistemas”, sendo feita uma relação dos valores da geodiversidade, com o objectivo de promover a sua protecção e identificar as principais ameaças. Segundo Brilha (2005), a definição atual e representativa do conceito de geodiversidade é a definição da Associação Europeia para a Conservação do Património Geológico (PROGEO) e da “Royal Society for Nature Conservation” do Reino Unido:
"A geodiversidade consiste na variedade de ambientes geológicos, fenómenos e processos ativos que dão origem a paisagens, rochas, minerais, fósseis, solos e outros depósitos superficiais que são o suporte para a vida na Terra."
Fig. 2 Alguns exemplos, dos elementos da geodiversidade (Silva, 2008) |
Neste conceito, estão incluídos não somente a dimensão geológica e geomorfológica, mas também evidências da vida, dos ecossistemas e dos ambientes passados, assim como os processos atmosféricos, hidrológicos e biológicos que interagem naturalmente com as rochas, solos e paisagens (Silva, 2006). Deste modo o conceito de geodiversidade é um conceito complexo, pluridisciplinar,integrador e fundamental que engloba todos os materiais e fenómenos geológicos que dão corpo ao planeta e o modificam (a sua estrutura e a sua superfície) e que, em conjugação com a biodiversidade, define a essência material da Terra e o modo como ela se transforma e evolui (Silva,2008).
Bibliografia:
Brilha, J. (2005). Património geológico e geoconservação: a conservação da
natureza na sua
vertente geológica. Palimage Editores, Viseu.
Gray,
M. (2004).Geodiversity: Valuing and
Conserving Abiotic Nature. John
Wiley and Sons, Chichester, England.
Ramalho, M. (2004). Património Geológico Português importância cientifica,
pedagógica e sócio-económica. Geonovas - Associação Portuguesa
de Geólogos. n.º 18: 5 - 12.
pedagógica e sócio-económica. Geonovas - Associação Portuguesa
de Geólogos. n.º 18: 5 - 12.
Silva, C. (2008). Temas de Paleontologia: Geodiversidade. Acedido
em: 16, novebro, 2017, em:
Silva,
I. (2006). Geodiversidade e seu valor
educativo estudo de casos
em
contexto europeu.
Tese de Mestrado em Geologia para o Ensino.
Departamento de Geologia - Faculdade de
Ciências da Universidade do Porto,
Porto. 159 pp.
Sharples, C. (1995). Geoconservation
in forest management -principles and
procedures; Tasforests, Forestry Tasmania, Hobart,Vol. 7, pp. 37 – 50.
Acedido em: 16, novebro, 2017, em: